Follow @luaem_escorpiao

sábado, 25 de agosto de 2012

O caso Judge (2ª parte)


Continuamos a exposição do caso Judge seguindo a palestra de Brett Forray e adicionado outros elementos que estão disponíveis na internet.

Retomemos então o fio da meada, avaliando da validade das acusações de Besant a Judge.

William Quan Judge

Conforme refere Forray, nos manuscritos das várias cartas consideradas fidedignas que constam dos volumes das Cartas dos Mestres para A.P.Sinnett há diferenças de caligrafia, isto porque, como os próprios Mahatmas referem, muitas vezes são os chelas (discípulos) que escrevem as cartas, recebendo telepaticamente os ditados dos seus superiores. E podem existir interferências indesejadas (sendo exemplo o caso Kiddle, onde numa das cartas, depois reproduzida no livro “O Mundo Oculto” de Sinnett, há um aparente plágio de um texto de um espírita, situação que mais tarde seria devidamente explicada pelo Mahatma KH). O argumento de Besant não era pois avassalador.

Na sua exposição, Forray prossegue analisando a obscura relação entre W.Q. Judge e Katherine Tingley. Praticamente desconhecida no meio teosófico norte-americano, seria ela a sucessora de Judge, tendo eles mantido uma relação intensa mas secreta. Sabe-se que Tingley era uma conhecida médium e que alegava receber mensagens dos Mahatmas e até da falecida HPB. 

Alice Leighton Cleather, uma ex-aluna de HPB que se lhe manteve sempre fiel, diz que foi Tingley quem esteve por trás do texto “By Master’s Direction” que haveria de espoletar a cisão da ST. Depois de Tingley tomar o poder, nova turbulência se instalou com a saída intervalada de membros que haveriam de dar origem a outras organizações, mais ou menos duradouras. Duas delas ainda hoje existem, uma das quais preponderante: a Loja Unida de Teosofistas fundada por Robert Crosbie em 1909. A outra é a Templo do Povo.

Alice Leighton Cleather

Se clicarem aqui, terão uma ideia da árvore que nasceu a partir da Sociedade Teosófica original. Uma grande confusão, não é?

Ernest Pelletier produziu um volume monstruoso, editado pela Sociedade Teosófica de Edmonton no Canadá, com cerca de 1 000 páginas, onde tenta provar que o procedimento de Besant e Olcott para com Judge foi injusto. O livro intitulado “The Judge Case: A Conspiracy Which Ruined the Theosophical Cause” [O Caso Judge: Uma Conspiração que Arruinou a Causa Teosófica] já custou perto de 90 euros, mas recentemente a Sociedade Teosófica de Edmonton estava a vendê-lo a preço de custo (cerca de 30 euros para a Europa incluindo custos de correio).


Forray contudo considera que há falta de perspectiva no livro. Katinka Hesselink (agora mais ligada ao Budismo que à Teosofia) também se exprimiu no mesmo sentido, tal como Daniel Caldwell, que acusa Pelletier de alinhamento ao lado de Judge, omitindo informações importantes e especulando sem fundamento quando não existem referências seguras.

Carlos Cardoso Aveline, um dos líderes da loja luso-brasileira da LUT - Loja Unida de Teosofistas, tem todos os anos mobilizado um grupo de pessoas para o envio de cartas para Adyar, sede da Sociedade Teosófica, referindo como fundamental para o movimento a necessidade da ST Adyar anular a expulsão de Judge e reconhecer o procedimento errado de então. As respostas da presidente Radha Burnier têm sido evasivas.

Radha Burnier, presidente da ST Adyar


Alguns autores referem que esta disputa entre Besant e Olcott marcou as dissensões que seguiram nas organizações teosóficas, que em grande medida replicaram esta “guerra”.

Às vezes também me pergunto até que ponto vale a pena investir na investigação deste assunto. Parece-me, pelos elementos que disponho que nunca haverá evidências completamente claras de quem estava certo. Judge parecia efectivamente o elemento mais preparado para continuar o trabalho de HPB (conforme prova o descarrilamento da ST durante a presidência de Besant, com a promoção de um novo salvador da humanidade, na pele de Krishnamurti e das fantasias leadbeaterianas que conflituavam com os ensinamentos de Blavatsky/Mahatmas), mas poderá ter tido um momento de fraqueza e ter tentado contactar os Mahatmas através de uma médium (Tingley). Seria estranho que assim fosse, até porque Judge escreveu textos avisando sobre o perigo deste procedimento, mas o testemunho muito credível de Alice Cleather deve ser levado em conta.

Katherine Tingley

Cleather, infelizmente só é lembrada quando os partidários de Besant querem atacar Judge e vice-versa. Tendo sido crítica dos dois, não fez muitos amigos, mas os seus livros estão disponíveis na Internet (ver aqui) e transparece da sua escrita uma honestidade e uma devoção à causa teosófica extraordinárias.

Alguns sugerem que Besant usurpou o lugar a Judge, mas se é assim, porque os Mestres dirigiram uma carta a Besant em 1900, onde embora a critiquem pelo caminho que tinha traçado para ST, nem mencionam o assunto?

Não tendo por isso, nenhuma posição definitiva sobre o assunto, devo dizer que aprecio bastante a escrita de W.Q. Judge. Ele redigiu uma das melhores introduções à Teosofia, no seu livro publicado em 1893, intitulado “Oceano da Teosofia” e que foi traduzido para português por Carlos Cardoso Aveline.
Muitos dos textos de Judge podem ser encontrados numa compilação em três volumes, intitulada "Echoes of the Orient", elaborada por Dara Eklund, que estão disponíveis gratuitamente aqui.

Carlos Cardoso Aveline

Não sou grande fã da literatura deixada por Besant (muita dela, senão toda influenciada pelo Bispo Leadbeater), talvez com excepção de “A Sabedoria Antiga”, embora não sei até que ponto incluirá distorções face aos ensinamentos de HPB. Na altura pareceu-me um bom livro, mas quando o li não estava tão ciente das diferenças entre a Teosofia original e a neo-teosofia.

A política deste blog é dar elementos aos leitores para que investiguem e tirem as suas próprias conclusões, e neste post e sobre este assunto foram já dados elementos suficientes para isso. Começando por esta palestra de Brett Forray, passando pelo livro de Pelletier e críticas ao mesmo e ainda pela consulta de mais informação que pode ser encontrada na internet (como alguns artigos publicados na revista Fohat e no site de Daniel Caldwell) é possível se inteirar melhor deste assunto. Que isso consumirá algum tempo é certo; que vai valer a pena, isso é que já não posso garantir.

Depois do caso Judge, o último episódio marcante foi a negação em 1929 por parte de Krishnamurti do seu papel de novo Avatar, o que acabou por evidenciar o falhanço da presidência de Annie Besant e das ideias defendidas por ela e por Charles Leadbeater. Desde esse acontecimento, a popularidade e influência da(s) Sociedade(s) Teosófica(s) têm decaído de ano para ano.

Krishnamurti em jovem

Refira-se por fim que falámos aqui só dos episódios mais relevantes, mas outros conflitos menores sucederam, mesmo dentro da Sociedade de Pasadena, como por exemplo durante a presidência de Arthur L. Conger, onde um grupo de teosofistas se afastou vindo a formar o chamado grupo de Point Loma, que ainda hoje existe e que está por trás da recente edição dos “Comentários da Doutrina Secreta”, que compila os relatos de algumas sessões de esclarecimento dadas por Helena Blavatsky ao seu grupo selecto de alunos sobre a sua magnum opus.

Sem comentários:

Enviar um comentário