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sábado, 29 de junho de 2013

É a minha Blavatsky melhor do que a tua? (2ª parte)


A semana passada demos início à tradução do editorial da responsabilidade de Jan Kind, o editor do site Theosophy Forward. Este teosofista analisa criticamente algumas posições mais veementes contra a publicação do livro “As Cartas de H.P. Blavatsky” (volume I).

A leitura da primeira parte, especialmente da introdução, é fundamental para entender o contexto do que se segue.

Continuando então, com a tradução do texto de Kind:

"Pois bem, aqui têm, não há lugar a dúvidas. Na edição de janeiro de 2013 do “Aquarian Theosophist”, o editor, usando a sua reconhecida prosa, perseguiu John Algeo de um modo que certamente não agradaria a HPB.

John Algeo (n. 1930)

As críticas de que algumas cartas incluídas na compilação de John Algeo, “The Letters of H.P. Blavatsky” [As Cartas de H.P. Blavatsky], não deveriam ter sido publicadas nesse livro, ou deveriam ter uma introdução mais clara, são legítimas. Mas elas foram-no, e temos de conviver com os factos; nós podemos contudo, claramente aprender com esta situação. Existia um consenso na altura entre os editores desse livro, que esta publicação iria requerer alguma inteligência também da parte do leitor. Há cinco anos, numa entrevista com Katinka Hesselink, John Algeo, respondendo ao assunto, comentou-o da seguinte forma:

PERGUNTA:
2. Houve uma grande tempestade à volta da publicação de “The Letters of H.P. Blavatsky”, em que você e a sua mulher tanto trabalharam para criar. Esperava a tempestade e como pode explicar aos meus leitores no que consistiu essa tempestade?

RESPOSTA:
O primeiro volume das Cartas de HPB precisava, por várias razões, de sair rapidamente. Consequentemente, tem várias falhas, a maior parte das quais nem foram alvo de comentário, mas temos plena consciência delas. Estamos trabalhando agora de modo mais lento e cuidadoso no volume II e esperamos que fique melhor. Por exemplo, teremos mais cuidado em comentar assuntos que poderão incomodar alguns leitores. Contudo, adotámos os seguintes princípios básicos nesta edição: vamos incluir todas as cartas que foram com razoabilidade atribuídas a HPB, mesmo aquelas que alguns teosofistas rejeitam porque não são consistentes com a sua perspetiva dela. De HPB, poderíamos dizer o que Walt Whitman disse dele próprio em “Song of Myself”. “Contradigo-me?/Pois bem, contradigo-me/ (Eu sou extenso, contenho multiplicidades).



HPB era demasiado grande para se encaixar nas estreitas categorias, que nós, seus admiradores, imaginamos que ela ocupa. A inclusão de uma carta no volume não é uma declaração de que acreditamos que a mesma é genuinamente dela, mas antes, de que foi com razoabilidade atribuída a ela. A maior parte das cartas que sobreviveram não são cópias autografadas (ou seja, com a sua própria caligrafia), mas ao invés são transcrições feitas por outros e muitas vezes “melhoradas” ou então alteradas por quem as transcreveu. É impossível asseverar a autenticidade dos textos da maior parte das cópias de cartas que sobreviveram. O nosso objetivo foi e será o de incluir os textos mais antigos e autênticos que podemos encontrar de todas as cartas que temos, que com algum grau de fundamento, foram atribuídas a HPB. Os leitores são livres de decidir por eles próprios quais as genuínas e quanto de uma determinada carta foi realmente escrito por ela. Nós vamos porém, tentar fornecer aos leitores tanta ajuda quanto possível ao tomar essa decisão. Mas essas decisões irão muitas vezes depender de um pré-julgamento de cada leitor sobre o que é ou não característico de Blavatsky. Como diz o velho ditado, “de gustibus non disputandum est”, isto é, gostos não se discutem, e portanto a decisão cabe a cada um.

PERGUNTA:
3. Teria gerido as coisas de modo diferente se soubesse as reservas que as pessoas iriam ter com a publicação?

RESPOSTA:
Teríamos incluído mais admonições, mas não teríamos alterado os princípios em que a edição se baseia, que estou em crer ser a única base honesta para fazer uma edição do género.


Não há necessidade de mais comentários. Que fique claro: poderia ter sido feito melhor, mas devido às circunstâncias, o livro em que John e a sua esposa Adele trabalharam tão duramente tornou-se perfeitamente numa “imperfeita” publicação. Para os comentadores e editores seria mais do que suficiente avisar os futuros leitores em serem cuidadosos na leitura deste livro. Não há necessidade de qualquer género de “sabichões” ou proclamadores virem a terreiro emitir ultimatos patéticos e atirar lama àquelas que pessoas que ganharam o apreço e o respeito de milhares por todo o mundo.

Trabalhadores resolutos para a causa teosófica são referidos como “amadores e eticamente ingénuos”, mas de quem é que eles estarão a falar?

John Algeo é um bom homem, um trabalhador incansável, sempre dedicado à causa. Ele tem a capacidade, única, de admitir um erro e de compensá-lo. Agora, na casa dos oitenta anos, depois de ter perdido a sua Adele e de ser confrontado com a deterioração do seu estado de saúde, continua a trabalhar pela Teosofia o melhor que pode. Nos seus oitenta e tal anos desta encarnação ele tem feito muito de bom e, SIM, cometeu erros, mas quem os não comete…?

O seu respeito e amor por H.P. Blavatsky e os seus escritos são indiscutíveis. Há cerca de treze anos, vi-o efetivamente a trabalhar nos arquivos de Adyar com Adele, reunindo material para o livro. A intenção e a dedicação são o que conta. Vê-los trabalhar tanto juntos, foi e ainda é, um exemplo inspirador para mim.
Nós podemos abordar HPB do nosso ponto de vista, a partir da nossa própria tradição. Algumas vezes é evidente que existem grandes diferenças, mas não é isso ótimo? Não seria terrivelmente aborrecido concordar em tudo?

Helena P. Blavatsky


Então podemos nos perguntar: “É a minha Blavatsky melhor do que a tua?” Temos de chegar a este ponto? É a Blavatsky de John Algeo, Radha Burnier [NT: presidente da ST Adyar] ou de qualquer editor melhor que a Blavatsky de outra pessoa? Claro que não. Vamos finalmente nos mentalizar de que o nosso lar teosófico é grande o suficiente para todos nós, e que em vez de nos perseguirmos uns aos outros, deveríamos realmente e por fim, aprender a nos ouvir uns aos outros, para beneficiarmos o nosso planeta. Este é apenas um exemplo de como fazê-lo:

Clique aqui:”

Assim termina o texto de Jan Kind.

Já depois da publicação deste editorial, Daniel Caldwell mencionou no theos-talk uma carta de Geoffrey Farthing onde este reputado teosofista, pouco tempo antes de falecer falava favoravelmente das Cartas editadas por John Algeo. Do outro lado da barricada, estas alegações foram prontamente repudiadas...

5 comentários:

  1. Senhores,

    Conhecendo a história do movimento sabe-se que V. Soloviof não é fonte que dê razoabilidade a nenhum documento sobre HPB.

    John Garrigues escreveu:

    "Milhares de pessoas podem viver de modo confortável, e até muito satisfeitas, tendo a teosofia como sua propriedade mental. Mas a aplicação diária e a cada momento da teosofia, a sua divulgação segundo as Linhas Estabelecidas por Aqueles que a criaram, preservaram e regeneraram, significa avançar por um caminho no qual ninguém conseguiria ingressar ou perseverar, se não fosse por esses Amigos e Professores de tempos antigos e de tempos futuros."

    Helena Blavatsky - A Que Distância?
    http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=1232#.Uc961vmgVjY

    Eterna gratidão e respeito pela mestra HPB.

    Arnalene Passos
    arnalenepassos@gmail.com

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    1. Cara Arnalene,

      Já tive oportunidade de referir no FB que a discussão sobre a falsidade das cartas não é o cerne deste texto do Jan Kind. Convém ler a 1ª parte para perceber melhor o enquadramento, onde aliás consta uma citação muito importante de Blavatsky, publicada na revista Lucifer.

      http://lua-em-escorpiao.blogspot.pt/2013/06/e-minha-blavatsky-melhor-do-que-tua-1.html

      No entanto, deve-se referir que as coisas não são assim tão a preto e branco, como aliás nada na vida costuma ser. Até determinada altura Solovyoff e Blavatsky foram amigos. É provável que tenha sido o Relatório Hogdson a fazer com que ele mudasse a sua posição, até porque antes disso chegou a enviar cartas para jornais confirmando alguns dos fenómenos produzidos pela Velha Senhora. Refira-se ainda que não obstante todas as calúnias que Solovioff produziu, o próprio Boris de Zirkoff (que editou a quase totalidade os Collected Writings) usou informações do livro dele, na cronologia da vida de HPB. As pessoas agem por estímulos e motivações, não creio que sejam agentes conscientes do mal. Isso faz-me recordar o fundamentalismo religioso, onde se veem demónios em todo o lado.

      Blavatsky é demasiado grande para ser propriedade de alguém, e além disso estou certo que não ela não gostaria de ser colocada num andor. Por isso, saibamos ouvir os outros, respeitar as diferenças de opinião, contribuindo para que a causa teosófica avance e ajude à evolução da humanidade.

      O editor, PB

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  2. Caro Paulo, amigos,

    O Paulo tem razão. Como afirma, "a discussão sobre a falsidade das cartas não é o cerne do texto".

    É esse mesmo facto que torna evidente que o cerne do texto, analisado do ponto de vista do conteúdo e da argumentação do autor, é o da defesa do relativismo ético como modo de ação a ser preconizado pelos estudantes de teosofia.

    É exatamente esse mesmo relativismo ético que faz com que o autor não veja (ou não queira ver)que as criticas contra as opções editoriais de um Algeo, Caldwell e outros autores, quando publicam material espúrio dando a entender ao leitor que o mesmo é de HPB (leia-se por exemplo o texto do Jerome Wheeler "The Resurgence of Pseudo-Theosophy" em http://www.esoteric-philosophy.com/2010/12/resurgence-of-pseudo-theosophy.html , as criticas, dizia, são FACTOS documentadamente apresentados.

    Mas isso, escapa por completo ao zelo paroquial do autor.

    Assim como são FACTOS aqueles que se apresentam,por exemplo, relatando a tentativa de golpe "palaciano" promovida pelo editor do volume das cartas de HPB, durante as eleições em Adyar em 2007-2008 (documentado e narrado por um destacado membro de Adyar, aqui: http://www.theosophyonline.com/ler.php?id=418#.UdCtKvnUmSo ).

    Quem quiser saber ainda melhor o que o relativismo ético significa, faça favor de ler as cartas falsas que Algeo decidiu incluir no seu volume, e veja por si mesmo como HPB é aí tratada, pela pena dos Solovyoff e Cia.

    Como isto não parece causar o mínimo de indignação ao autor do texto mencionado acima, ele prefere fixar o seu raciocínio na fabricação de imaginários ataques pessoais e atitudes anti-fraternas, vindos da parte de quem decide marcar a mais firme oposição contra as calúnias e mentiras.

    Diante deste ponto de vista, é compreensível que o autor nem sequer considere que teria sido sensato, verdadeiro e rigoroso, o editor das cartas de HPB ter apresentado publicamente uma declaração do erro cometido e confirmando a origem espúria de várias das cartas que erradamente ele dá a entender ao leitor serem escritas por HPB. E o editor já teve cerca de 10 anos para o fazer.

    Parece assim razoável considerar que talvez haja por ai quem se considere a ele próprio, e em nome da fraternidade e das boas maneiras, demasiado puro para sujar o seu bom nome e a sua reputação na defensa de uma Velha Senhora.

    Saudação fraterna,
    Joaquim Soares

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    1. Caro Joaquim,

      Fico satisfeito que alguém tenha efetivamente lido o texto, refletido sobre o mesmo e chegado às suas conclusões. Eu também cheguei às minhas. A conclusão de que Jan Kind é promotor de relativismo ético é legítima. Infelizmente, eu não tenho a capacidade de entrar na cabeça de alguém, perceber exatamente as suas motivações e fazer depois estas rotulagens. Creio que ainda estou muito longe de lá chegar. Dar lições de ética a Kind é uma empreitada e pêras – ele que teve como mentor Henk Spierenburg, um dos teosofistas que mais trabalhou pela divulgação da Teosofia no séc. XX, tendo editado vários livros temáticos, baseados nos escritos da Velha Senhora. Além de todo o seu trabalho no Theosophy Forward, Kind promove o bom relacionamento entre as várias organizações teosóficas, que terá um ponto alto com a realização da International Theosophy Conference em Nova Iorque de 8 e 11 de agosto de 2013, com a presença de teosofistas das diversas influências, incluindo a LUT. Quem contudo, quiser expressar o seu desacordo com Kind, pode fazê-lo adicionando-o no FB ou então pelo e-mail siteowner@theosophyforward.com.
      Muitos teosofistas têm feito um esforço para aproximar a Teosofia do mundo académico. Farthing foi um deles, tendo sido graças ao seu empenho, que a Universidade de Exeter chegou a ter um Mestrado na área do Esoterismo. Outros tentaram e tentam adotar os procedimentos ditos “académicos” (entre os quais o rigor científico e a imparcialidade) e acabam por cometer equívocos, como aconteceu na edição das Cartas de HPB, não assinalando devidamente cartas em relação às quais há evidências muito claras de serem falsificações. Essas admonições são efetivamente importantes, especialmente para aqueles que não são conhecedores profundos da história do movimento teosófico. O erro foi reconhecido por toda a comunidade, como já referi. Posso ser ingénuo, mas prefiro ver isto como um erro de julgamento, tal como outros teosofistas, inclusivamente os pioneiros do movimento cometeram. Mas mesmo em relação a estes, há às vezes demasiada facilidade em apontar o dedo.
      No Evangelho encontramos uma passagem bem conhecida: "Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?
      Como você pode dizer ao seu irmão: 'Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu?” (Mt. 7:3-4), que, para quem gosta muito de citações, se poderia aplicar neste momento.
      Olcott tinha o péssimo hábito de desconfiar de HPB especialmente quando estavam muito separados; Sinnett não resistiu à quebra de ligação com KH e perdeu-se depois no mundo obscuro da mediunidade; Hume não conseguiu superar o seu ceticismo e o pensamento convencional de um cidadão com estatuto do Império Britânico; Subba Row não ultrapassou o seu orgulho de brâmane e voltou-se contra HPB; Judge inclusive, acreditando nos relatos de Alice Leighton Cleather (e não há qualquer razão para duvidar dos mesmos), terá sido fortemente influenciado já no final da sua vida pela médium Katherine Tingley, cuja personalidade controversa, entrou em choque por exemplo com Robert Crosbie, que haveria depois de se incompatibilizar com Tingley, fundando mais tarde a LUT em 1909. Todo o mundo comete erros, e devem sim ser confrontados com esses erros, pois é uma oportunidade para o seu crescimento como indivíduos. Mas será que gostaríamos que alguém nos andasse continuamente a recordar, num tom castigador, dos erros que cometemos há 10 anos atrás, ou quando fomos adolescentes?

      (continua)

      O editor, PB

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    2. (continuação)

      Daniel Caldwell, é verdade, tem os seus defeitos. Há uns anos atrás, num cenário crispado se bem me recordo relacionado com a tal questão das Cartas, criou um pseudónimo – David Green – para assinar textos algo especulativos sobre as cisões no período pós-falecimento de Judge e antecedentes da criação da LUT. É inegável, contudo que o seu site “Blavatsky Study Center” é uma das principais portas de entrada no mundo da Teosofia, pela quantidade de recursos infindável que o site aloja. Mesmo os críticos de Caldwell, reconhecem e respeitam o seu trabalho. Os primeiros conhecimentos que adquiri sobre o ser extraordinário que foi HPB ocorreram através do seu livro “O Mundo Esotérico de Mme. Blavatsky”, traduzido para português pela editora brasileira Madras. Pelo que tenho visto nos últimos anos, Caldwell tem defendido HPB, continuando a promover a literatura teosófica. Se cometeu erros no passado, terá aprendido com alguns.
      Como teosofista independente, o meu interesse nas lutas políticas dentro das organizações teosóficas é próximo de ZERO. Contudo, tenho conhecimento dos episódios lamentáveis na última eleição dentro da ST Adyar, se calhar o episódio mais nefasto dentro desta organização desde a eleição controversa de George Arundale em 1934. É bom que as pessoas saibam que, em ambos os lados da contenda existiram comportamentos éticos reprováveis, pelos elementos afetos às candidaturas das eleições de 2008. Quem tiver paciência, pode ler as secções dedicadas a eleições aqui: http://www.teozofija.info/tsmembers/tsindex.htm e também consultar os arquivos do theos-talk dessa altura. Esta eleição provocou grande discórdia e é um assunto que para bem da Teosofia deve ficar enterrado, não para ocultar o comportamento menos ético de uma das fações, mas de ambas.
      Dentro da comunidade teosófica, o diálogo tem de existir. Ele só é possível com o respeito pela opinião dos outros. Os teosofistas devem ser encorajados a refletir; devem-lhes ser facultados os elementos para produzir essa reflexão e não enfiada pela goela abaixo, a visão de alguém que se julga acima dos demais. O Lua em Escorpião espera contribuir para esse debate e é por isso quem o texto de Jan Kind, teve o enquadramento que achei adequado, com ligações para os textos críticos publicados por exemplo no Biosofia na altura da publicação do livro e mesmo em relação aos episódios mais recentes.

      Já escrevi e volto a referir; Blavatsky não é propriedade de ninguém, nem andamos aqui a fazer um concurso para ver qual é o melhor guarda-costas de HPB. Como escreveu a Velha Senhora, “quando for necessário reprovar alguém, façam-no (…) de forma gentil e com palavras cheias de caridade e compaixão, pois o coração humano é como a planta Kusuli: o seu cálice abre-se com o doce orvalho matinal e fecha-se antes de uma grande chuvada.”

      O editor, PB

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