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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Sobre a continuidade da nossa consciência (2ª parte)

Continuamos com a tradução de alguns excertos do artigo de Pim van Lommel, “Sobre a continuidade da nossa consciência”. Para perceber o contexto convém ler o post da semana passada.

Na terceira secção do seu artigo, o cientista holandês aborda a pesquisa científica no domínio das Experiências de Quase-Morte (EQM).


Dr. Pim van Lommel


“Em 1969, durante o meu estágio médico rotativo, um paciente foi reanimado com sucesso na ala de cardiologia através de desfibrilhação elétrica. O paciente recuperou consciência e ficou muito, muito desapontado. Falou-me de um túnel, de cores belas, de uma luz e música maravilhosas. Nunca esqueci este episódio, mas nunca fiz nada com ele. Anos mais tarde em 1976 [NT: Na verdade, o livro foi lançado em 1975] Raymond Moody Jr. descreveu pela primeira vez as chamadas EQM e apenas em 1986 li sobre estas experiências num livro de George Ritchie chamado “Return from tomorrow” [Regresso de amanhã], que relata o que ele experienciou durante um período de morte clínica, com a duração de seis minutos, no ano de 1943, durante os seus estudos em medicina. Depois de ler este livro, comecei a entrevistar os meus pacientes que sobreviveram a uma paragem cardíaca. Para minha grande surpresa, no espaço de dois anos cerca de cinquenta pacientes falaram-me do seu EQM.

A minha curiosidade científica começou a crescer, porque de acordo com os nossos atuais conceitos médicos, não é possível experienciar consciência durante uma paragem cardíaca, quando a circulação e a respiração cessam.


Dr. Raymond Moody Jr.


Várias teorias já foram propostas sobre a origem de uma EQM. Alguns pensam que a experiência é provocada por alterações fisiológicas no cérebro como por exemplo células cerebrais que morrem em resultado de anóxia cerebral, ou então possivelmente causadas pela libertação de endorfinas, ou bloqueios do recetor NMDA. Outras teorias abordam a reação psicológica à morte próxima ou uma combinação deste fator com a anóxia. Mas até agora [2004] não existe qualquer estudo prospetivo, meticuloso e cientificamente elaborado para explicar a causa e conteúdo de uma EQM.“

Num estudo de 1988, com 344 sobreviventes de paragens cardíacas, 62 (18% do total) revelaram ter alguma ideia sobre a altura da morte clínica. Destes 62, 41 experienciaram uma EQM mais do que superficial e deste grupo de 41, 23, ou seja 7% da amostra do estudo, revelou ter passado por uma EQM bastante intensa. Nos EUA um estudo semelhante, mas com uma amostra de um terço face ao estudo holandês, dava 10% de pacientes a experienciar uma EQM, enquanto um estudo britânico com uma amostra de 63 pacientes, deu para a mesma variável a percentagem de 6,3%.

No estudo holandês cerca de 50% dos pacientes com uma EQM relataram consciência de estarem mortos, ou de emoções positivas, 30% reportaram estar a atravessar um túnel, de observarem uma paisagem celeste ou de terem encontrado parentes falecidos. Cerca de 25% dos pacientes com uma EQM teve uma experiência extra-corporal, comunicou com a “luz” ou observou cores. 13% experienciou uma revisão de vida e 8% a sensação de estar numa fronteira.

Pim van Lommel  refere que não é a duração da paragem cardíaca, nem do período de inconsciência que influencia o ter ou não ter uma EQM. Não há também qualquer relação entre um episódio desta natureza e os medicamentes administrados, medo da morte antes do ataque, conhecimento prévio sobre as EQM, religião ou educação. A EQM era mais frequente em pacientes abaixo dos sessenta anos, por pacientes com mais de uma reanimação cardiopulmonar durante o período de internamento e por pacientes que já tinham experienciado uma EQM antes. A memória de curto-prazo também é essencial para se recordar de uma EQM. “De forma inesperada”, refere van Lommel, “descobrimos que mais pacientes com uma EQM profunda [em comparação à média], morriam nos 30 dias após a reanimação cardiopulmonar.”




Foi feito um estudo de tipo longitudinal acompanhando os pacientes com EQM, dois e oito anos após o episódio para avaliar os efeitos em termos psicológicos. “Os pacientes que passaram por uma EQM não mostravam nenhum medo da morte, acreditavam fortemente numa vida após a morte, e a sua visão sobre o que era importante na vida tinha mudado: amor e compaixão por eles próprios, pelos outros e pela natureza. Agora entendiam a lei cósmica que aquilo que fazemos aos outros irá nos ser devolvido: ódio e violência, bem como amor e compaixão. Incrivelmente, muitas vezes havia prova de sentimentos intuitivos ampliados. Além do mais, os efeitos transformacionais duradouros de uma experiência que dura apenas alguns minutos foi uma descoberta surpreendente e inesperada.”

Face à ausência de provas de outras teorias na explicação para as EQM, o conceito até agora assumido mas nunca cientificamente provado, de que a consciência e as memórias estão localizadas no cérebro deve ser discutido. Tradicionalmente, tem sido afirmado que os pensamentos ou consciência são produzidos por grandes grupos de neurónios ou redes neuronais. Como pode uma perfeita consciência ser experienciada fora do corpo quando o cérebro já não funciona durante um período de morte clínica, com o encefalograma mostrando morte encefálica? Além do mais, invisuais também já descreveram perceções verídicas durante experiências fora-do-corpo aquando das suas EQM. O estudo científico das EQM puxa-nos ao limite das nossas ideias sobre neurofisiologia e medicina, acerca do alcance da consciência humana e da relação da consciência e das memórias com o cérebro.

Continuamos na próxima semana com a descrição de alguns elementos típicos da EQM.

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