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sábado, 1 de novembro de 2014

Einstein leu mesmo a Doutrina Secreta? (2ª parte)

Na passada semana foi publicado conteúdo introdutório importante que deve ser lido por quem ainda não o fez.

Recordamos que com efeito existem duas histórias com respeito a Einstein: uma, a de que foi um ávido leitor de “A Doutrina Secreta” e outra que acrescenta que a sua cópia desse livro foi depositada numa Biblioteca de uma organização teosófica, ou na Sociedade Teosófica de Adyar, ou na da Loja Unida de Teosofistas, neste caso em Bombaim.

Em relação ao primeiro ponto, a informação é mais extensa.

No verão de 1974, o teosofista Iverson L. Harris dá uma entrevista ao The Journal of San Diego History referindo que Einstein mantinha uma cópia de “A Doutrina Secreta”  na sua mesa de trabalho.


Iverson L. Harris
(1890-1979)

Ao tentar confirmar esta informação, Sylva Cranston refere que uma sobrinha de Einstein visitou a sede da ST Adyar. Quem falou com a suposta sobrinha foi Eunice Layton, uma palestrante sobre temas teosóficos, que por acaso estava na mesa de receção quando ela chegou. 

Contudo, como já escrevi, Einstein não tinha sobrinhos. A sua irmã Maja não tinha filhos.

Suspeita-se que a tal sobrinha poderia ser uma afilhada (Einstein tinha duas, Margot e Ilse), mas Joy Mills, a teosofista decana da Sociedade Teosófica na América também se recorda de Eunice dizer que tinha sido a sobrinha a visitar Adyar.


Joy Mills

Também se supôs que Helen Dukas, a secretária de Einstein (e que se especula que também tenha sido sua amante) poderia se ter feito passar por sua familiar para evitar qualquer tipo de embaraço, mas a verdade é que há evidências de que nunca viajou até à India.

A 28 de setembro de 1983, o jornal Ojai Valley News publicou um artigo intitulado “Eu visito o professor Einstein”, assinado por um tal de Jack Brown. As tentativas para localizar ou identificar este Jack Brown pareciam infrutíferas, até que em outubro de 2012, Daniel Caldwell anunciou no fórum theos-talk que talvez tivesse descoberto Jack Brown, mas a confirmação carecia de mais investigação. Embora seja um nome comum, o local onde Brown vivia (Ojai, na Califórnia) tem menos de 8000 habitantes, pelo que há fortes probabilidades de ser este o autor do artigo.




Acredita-se também que o artigo de Jack Brown tenha sido fortemente editado por um jornalista do Ojai Valley News, mas como o jornal mudou de instalações em 1993, não foi possível encontrar o original, que já foi destruído.

O artigo de Brown pode conter factos verdadeiros, mas também poderá ter sido embelezado por alguém do jornal, para tornar um possível artigo aborrecido em algo mais atrativo para o leitor.  O tal Brown refere que Einstein não gostava de passear e que teve um cão chamado “Chicco”. Mas o Einstein Institute nega estas informações.

No artigo foi citado o nome de Howard Rothman como sendo um amigo próximo de Einstein. Nunca se descobriu quem foi este Howard Rothman.

Mas, Leon Maurer, que foi uma das testemunhas principais deste caso refere que nalgumas situações podem ter sido usados pseudónimos.


Leon Maurer (1924-2011)

O pai de Maurer foi um dos que ajudou Einstein quando este abandonou a Alemanha nazi para ir para os EUA. Refere que um dos amigos do seu pai também tinha o apelido Rothman. Quanto tinha 11 anos, Maurer recorda-se de Einstein estar presente num jantar de boas-vindas organizado por aqueles que contribuíram para a sua mudança de país. Maurer acha que a sua “sobrinha” seria Helene Dukas, a secretária de Einstein.

Outra dos testemunhos, proveniente de Jerry Hejka-Ekins defende que o Dr. Alfred Taylor, antigo diretor da Escola de Teosofia de Krotona e suposto amigo de Einstein referiu que este tinha “A Doutrina Secreta” na mesa-de-cabeceira. Mas o especialista em história da Teosofia (particularmente sobre a ST na América), Joseph Ross, diz que conhecia Taylor e que este nunca teve qualquer ligação a Einstein. Contudo, este testemunho de Hejka-Ekins tem muito peso, não só pelo respeito que o movimento em geral tem por este teosofista, mas também porque o Dr. Taylor é alguém altamente conceituado e acima de qualquer suspeita de inventar um facto.

Avancemos para o segundo ponto, o de que existe uma cópia de “A Doutrina Secreta” algures numa biblioteca (ou nas mãos de um colecionador).


Doutrina Secreta original
(foto retirada de jomasipe.com)

Maurer é uma das fontes. Neste artigo ele conta a história toda:

“Por volta dos meados dos anos 70, fui a uma palestra de alguém vindo de fora na Loja Unida de Teosofistas (LUT) em Nova Iorque…Depois da comunicação, eu e um grupo de associados da LUT encontrámo-nos com a palestrante, a senhora Wadia, uma idosa de nacionalidade britânica, viúva de um bem conhecido escritor e palestrante teosófico. Ela estava acompanhada por outras mulheres indianas vestidas com saris.

A sra. Wadia, ou uma das mulheres que estava com ela (não me recordo dos seus nomes) disse-nos que esteve na Theosophical Publishing Company (TPC) em Adyar durante os meados dos anos 60, e que travou conhecimento com a sobrinha de Einstein, que disse ter ido à sede da TPC para doar à sua Biblioteca o livro que estava na cabeceira da cama do tio quando este morreu. A sra. Wadia (ou quem contou a história) disse que ela e vários outros que estavam em Adyar aceitaram com gratidão a cópia muito gasta e usada da 1ª edição de  “A Doutrina Secreta-Síntese da Ciência, da Religião e da Filosofia” de H.P.Blavatsky.


Sophia Wadia (1901-1986)
(foto retirada de:blavatskytheosophy.com)

Perguntei-lhe se havia efetivamente manuseado e aberto o livro. Ela respondeu que sim. Quando especificamente lhe perguntei se existiam anotações nas margens, ela referiu que o livro estava cheio de anotações e sublinhados, e que as margens estavam cobertas de rabiscos e de outras marcas que não se percebia o que eram (o que não daríamos em troca para vê-los?). Quando alguém perguntou o que aconteceu ao livro, ela disse que ainda estava na biblioteca da Loja de Adyar.”

Maurer depois prossegue indicando que quando soube disto foi de imediato comprar uma edição fac-simile (não disponível em português, mas em inglês, em edição publicada pela LUT, existindo também online, quer no site da ST Pasadena quer em várias das lojas da LUT, como por exemplo nesta) que estudou durante vários anos e se baseou para enunciar a sua teoria de consciência holográfica.

Dallas TenBroeck, um teosofista da LUT que faleceu em 2006, corrige Maurer num ponto. A sra. Wadia nunca esteve em Adyar, o que é garantido por várias pessoas próximas dela.

Foi colocada a questão da existência do livro na Biblioteca de Adyar à presidente da Sociedade na altura, a sra. Radha Burnier, que negou a existência de tal cópia.




Na verdade, o relato original de Eunice Layton, apenas refere que Einstein tinha uma cópia do livro de Blavatsky na sua escrivaninha.

Maurer acredita num suposto relato de Dallas TenBroeck,  que referiu ter visto a cópia que Einstein possuía de “A Doutrina Secreta”. A honestidade do teosofista da ULT era intocável.

Contudo não se consegue identificar esse relato. Katinka Hesselink inicialmente disse que tinha uma cópia de um e-mail de TenBroeck com esse facto, mas pressionada para confirmar a existência dessa mensagem referiu que nunca a encontrou e que pode ter sido um lapso da sua parte.


Katinka Hesselink

Ainda se investigou se o livro estava ou não na posse de Loja Unida de Teosofistas (LUT) de Bombaim, mas desconhece-se se houve resposta.

Conclusão

Isto é efetivamente o que se sabe publicamente sobre esta história. Não existem provas “científicas” sobre o interesse de Einstein por “A Doutrina Secreta”. A apresentação destes testemunhos não é suficiente para convencer os céticos. Contudo, no meio teosófico, a credibilidade de algumas testemunhas é mais do que um indício de que Einstein realmente tinha a grande obra de Blavatsky na sua mesa de trabalho.

Einstein teve contacto com o trabalho do pensador italiano Pietro Ubaldi, como é aqui expresso, pelo que não é descabido que tenha lido pelo menos parte de "A Doutrina Secreta". Contudo, a ideia central que sai da correspondência de Ubaldi com Einstein é esta frase, escrita pelo cientista nascido na Alemanha:

"Para meu velho cérebro, treinado no racionalismo, tudo isto me parece estranho, porém agradável."

O próprio Ubaldi escreve:

"Ele foi assim um verdadeiro filho de nosso século, isto é, o cientista profundo e especializado; mas, antes de tudo, analítico e só depois, sintético; grande matemático, cuja maior grandeza é de ter a honestidade e sinceridade de reconhecer que o seu cérebro está treinado pelo racionalismo e que, além disso, ele não se acha num terreno que possa aceitar como positivo. Mas isto não nos deve surpreender, porque esta é a forma mental do nosso pensamento científico moderno."


Pietro Ubaldi (1886-1972)

Numa troca de e-mails com um teosofista conhecido foi-me enviada uma passagem de uma biografia de 1971 de Einstein (Einstein - The Life and Times de Ronald W.Clarck), de um episódio que teve lugar em 1935:

"Uma vez convenceram-no a visitar o Rockfeller Medical Center em Nova Iorque, então gerido pelo irmão de Abraham Flexner. Nessa instituição, o Dr. Alexis Carrel - cujos interesses extra-curriculares eram o espiritualismo e a perceção extra-sensorial - trabalhava com Lindbergh num dispositivo para perfundir órgãos, um instrumento que abriu o caminho para o moderno transplante do coração. Carrel tinha convidado Einstein para inspecionar o dispositivo (...). Trinta anos depois, Lindbergh ainda se lembra de Einstein entrar no gabinete com Carrell. Este, expondo o espiritualismo, disse: "Mas doutor, o que diria se você próprio tivesse observado este fenómeno?"
"Na mesma, não teria acreditado", respondeu Einstein.

Uma nota final para referir que o que escrevi no início, da necessidade que os teosofistas têm de associar a Ciência moderna à Teosofia, é exemplificada neste esclarecimento dado por TenBroeck a um jornal, que encontrei por acaso enquanto pesquisava sobre o assunto.


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