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sábado, 26 de dezembro de 2015

Estamos conscientes depois da morte? (2ª parte)

Na semana passada, foi publicada a 1ª parte deste artigo escrito pelo teosofista inglês Adam Warcup, no qual é abordada a temática das Experiências de Quase Morte e a sua explicação à luz da Teosofia. 
É fundamental ler essa 1ª parte antes de prosseguir.

Uma vez mais se agradece à Secção da Nova Zelândia da Sociedade Teosófica a autorização para a tradução deste artigo.

Estamos conscientes depois da morte? (2ª parte)

por Adam Warcup

Foto de Adam Warcup,muito provavelmente
do final dos anos 70/ início dos anos 80


De certa forma, temos a sorte de Sinnett se ter interessado pelo Espiritualismo. As suas experiências nas sessões espíritas levaram-no a acreditar que podemos sobreviver à morte e comunicar com os vivos através de médiuns. Este cenário implicaria, obviamente, que retivéssemos a consciência depois da morte. Apesar dos Mahatmas lhe terem dito que são as “cascas” dos kama rupas que podem comunicar através dos médiuns, ele não conseguia aceitá-lo. Estava constantemente à procura de uma brecha, um mecanismo que permitisse que alguns dos “espíritos” fossem a verdadeira ex-personalidade. Os Mahatmas firme e consistentemente negaram tal possibilidade. Porquê?

Este assunto gravita em torno da ideia de que o homem alterna entre dois estados de ser. Durante a vida ele vive num mundo de Causas; entre vidas ele vive num mundo de Efeitos. O significado destes dois termos parece ser o seguinte: um mundo de Causas é aquele em que podemos agir com livre arbítrio; podemos colocar em movimento novas cadeias de causa e efeito. Embora restringidos pelo karma passado, somos livres de escolher. Ao invés, num mundo de Efeitos, não somos livres, mas vivemos num sonho por nós fabricado. Nesse mundo não podemos dar início a novas causas, mas viver as consequências de causas postas previamente em movimento.

Há um paralelo óbvio entre a morte e o sono. Durante a vida, alternamos entre a vigília e o sono. Numa perspetiva micro, estar acordado corresponde à esfera das Causas e dormir à esfera dos Efeitos. Nesta analogia, um sonho corresponderia ao estado devachânico. Embora estejamos conscientes nos nossos sonhos, normalmente não passamos diretamente de uma consciência desperta para um sonho. Existe um intervalo durante o qual não estamos de todo conscientes.


Este é o livro mais conhecido
de Warcup e que está esgotado.
Pode aceder a uma versão em pdf
clicando aqui.


Basta pensar um pouco para perceber a lógica por trás deste ciclo de alternâncias. Se fosse para vivermos permanentemente num mundo de Causas, nunca teríamos tempo suficiente para aprender e crescer. Estaríamos tão ocupados “a fazer” que nunca teríamos a hipótese de digerir os frutos das nossas ações. Investigações recentes sobre o cérebro mostraram que precisamos do sono, e especialmente do sono com sonhos, para funcionarmos eficientemente no dia seguinte. Da mesma forma é na morte. Precisamos do nosso tempo no Devachan, não apenas como uma recompensa, mas como um período de digestão e assimilação. Assim os estados pós-morte, em termos da consciência, devem ser subjetivos e parecem-nos de certo modo como sonhos, quando comparados com a nossa consciência desperta, normal e objetiva.

Não podemos esperar que seres num tal estado consigam comunicar com os vivos. Mas mesmo que assim seja, porque perdemos toda a consciência imediatamente depois da morte?

Outra ideia fundamental é a de que toda a gente tem uma quantidade de “energia vital” alocada. Não é tanto no sentido em que temos um número predeterminado de anos para viver; mas como se tivéssemos combustível num depósito que quando consumido, significa que essa incarnação está acabada. Existem, como é óbvio, exceções. Aqueles que morrem por acidente ou suicídio ainda não gastaram toda a sua força vital e devem viver o resto do período alocado no mundo astral, antes de passar pelos processos de pós-morte normais. Tais seres ainda estão na esfera das Causas. Embora lhes falte um corpo físico, ainda retêm o seu linga sharira (corpo astral). Alguns retêm a consciência, embora a maioria passe o tempo remanescente num sono sem sonhos.


Um dos Mahatmas (KH) com quem Sinnett
se correspondeu durante a sua permanência na Índia


Mas para aqueles que seguem o curso normal desde a gestação passando pelo nascimento, infância, adolescência, maturidade, senescência e morte, é difícil esperar que se empreenda uma nova etapa de vida imediatamente depois da morte. De facto, é-nos dito que os acontecimentos no mundo dos Efeitos seguem uma sequência análoga. Da inconsciência que se segue à morte, entramos num estado gestacional, que precede o nascimento e o despertar no estado devachânico. Neste último, vivemos através das nossas experiências de vida prévias, envelhecendo gradualmente à medida que o material da encarnação anterior se exaure, “morrendo” de novo para esse mundo. A inconsciência uma vez mais sobrevém, até que nascemos num novo corpo físico e se retoma uma existência consciente.

Quando o corpo físico morre, o corpo astral “morre” também. Portanto as formas que sustentaram a consciência desperta desintegraram-se. Isto explica a observação do mahatma sobre a consciência deixar o corpo como uma chama deixa um pavio. Leva tempo para um novo centro de consciência se formar e para o Ego devachânico despertar para um novo mundo.


Imagem: renegadetribune.com


Mas alguns podem perguntar: se podemos experienciar outros mundos estando vivos, porque não depois da morte? A resposta reside num entendimento dos mecanismos que permitem estes outros estados de consciência durante a vida. Algumas experiências do género estão relacionadas com o linga sharira (corpo astral), mas como este corpo não se pode deslocar para longe do corpo físico, isto explica poucos casos. A maioria deriva do mayavi rupa (corpo de sonho) que é formado, temporariamente, pelo pensamento e pela vontade, a partir dos elementos do mundo psíquico. Poucas pessoas podem formar ou projetar tal “corpo” conscientemente, mas alguém que tenha experienciado um sonho vívido que não se desvaneceu pouco depois de despertar, formou um mayavi rupa inconscientemente. Contudo, tê-lo feito com ou sem conhecimento, requere um ato de vontade e isto apenas pode ser realizado enquanto na esfera de Causas. Depois da morte, somos conduzidos ao longo de uma corrente de acontecimentos que nós próprios pusemos em movimento. Somos, nessa ocasião, incapazes de modificar o seu curso.

O facto crucial sobre uma Experiência de Quase Morte é o de que o indivíduo em causa não morreu. Embora tenha estado próximo disso e independentemente de quão milagrosa foi a recuperação, o facto de o indivíduo continuar a viver demonstra que a força vital não estava exaurida. Não era altura de morrer. Assim, as experiências ocorridas são em vida, embora não sejam menos extraordinárias por essa razão. Podemos inferir que o sujeito projetou um mayavi rupa, e nesse estado, passou por uma Experiência de Quase Morte. Existe uma questão adicional para ser respondida com respeito ao que existe de comum nas experiências, mas isso está para lá do âmbito deste artigo.

The Theosophical Journal Set/Out 1988


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